terça-feira, 6 de outubro de 2015

GUAÇUÍ – A CAPITAL CAPIXABA DAS ARTES CÊNICAS

No período de 16 a 22 de agosto, Guaçuí se tornou a capital capixaba das artes cênicas, quando realizou o 16º Festival Nacional de Teatro, reunindo grupos de cinco estados brasileiros: Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Espírito Santo. Todos com importantes espetáculos que comoveram, causaram reflexão e entretenimento ao público da cidade e região.
A data escolhida para a realização do festival coincide com o aniversário do Grupo Teatral “Gota, Pó e Poeira”, criador e coordenador do evento. E neste ano em que o grupo local completou 32 anos de existência, as suas mostras de teatro procuraram a diversidade entre o contemporâneo e os clássicos da dramaturgia nacional, superando a ausência de recursos do Governo do Estado e contando com o apoio do executivo e do legislativo municipal.
O público se fez presente. Essa é uma das grandes conquistas do festival que conta hoje com espectadores vindos de cidades como Iúna, Muniz Freire, Alegre, Dores do Rio Preto, Divino de São Lourenço, Varre Sai, entre outros da Região do Caparaó. Porém nota-se um pouco de distanciamento do público guaçuiense. Não que o Festival tenha caído numa rotina, e nem que se tenha falhas na divulgação, mas é um fenômeno que tem ocorrido também em outras apresentações. Os guaçuienses estão mornos nas questões culturais, o que prejudica na vontade de trazer novos eventos na cidade. É uma batalha constante levar público aos eventos, mesmo quando são gratuitos.
Outro aspecto que também chamou atenção no festival foi a questão dos espetáculos adultos numa conotação mais forte. Os espetáculos tinham classificação e em cena estavam textos de Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, que exploram a decadência moral das famílias burguesas e das classes mais miseráveis. É bom que, ao ir ao teatro, o público tenha conhecimento do que vai ver e não esperem apenas comédias leves, situações corriqueiras, como em  novelas e outros programas de televisão. O teatro busca ser um espelho da realidade, que nem sempre todos estão aptos a verem ou querem assistir.
Mas enfim, o festival deixou seu saldo positivo. Movimentou um pouco os hotéis, bares e restaurantes; trouxe pessoas para a cidade;  divulgou de forma positiva o nome do município; e oportunizou ao público a assistir  a excelentes espetáculos tanto adultos, como os de rua e os infantis. Nem sempre se tem esse acesso a obras teatrais com tanta intensidade, principalmente de forma tão econômica. Estudantes de diversas escolas curtiram os espetáculos e com certeza levaram boas recordações para suas vidas.

E num ano de crise que também atinge a cultura, o Festival Nacional de Teatro de Guaçuí superou os obstáculos e a descrença mostrando que é possível fazer arte neste país, e que ele – o festival -  é mais que um evento pontual, pois consegue formar plateia e pensamento, em discussões que abordam o social, o religioso, o econômico, o didático e o puro lazer. Espetáculos como “2 perdidos numa noite suja”, “O noviço”, “Revolta no país dos retalhos”, “A catadora de sonho”, “Brincando de Circo”, “Zoológicos”, “O encontro das águas”, “Perdoa-me por me traíres” apresentam reflexões que vão além de simples gargalhadas ou lágrimas superficiais; trazem a essência da arte como formação crítica do cidadão, sendo essa uma contribuição que não tem preço.

domingo, 5 de julho de 2015

O LEGADO DE MESTRES DA CULTURA POPULAR

Junho se foi com seus festejos ligados às tradições seculares, com folguedos, comidas típicas, fogueiras, bandeirinhas, muita música e roupas coloridas. Escolas e comunidades se mobilizaram com seus “arraiás” fazendo a festa de estudantes e moradores diversos. E têm muitas festas ainda por acontecer, mesmo em julho e agosto, haja vista que para se dançar quadrilhas ou outros folguedos folclóricos não importa a data e sim manter uma tradição que é super respeitada no Nordeste, mas que por aqui, por intolerância, muitas vezes religiosa, tende a desaparecer.
A arte e a cultura estão acima de questões religiosas. A escola deve ser um lugar para ensinar ao estudante muito mais que conceitos ou fórmulas que estarão no Enem. A escola é um lugar também para aprender costumes, tradições, lendas, mitos e outros elementos artísticos que contribuirão para o educando ampliar sua visão do mundo e das coisas, ou simplesmente desenvolver empatia e desenvoltura. 
Em outros tempos, anos 70 e 80, era comum cada bairro fazer sua festa junina ou sua quadrilha, envolvendo um grande número de moradores. Bandeirinhas se estendiam pelas ruas; fogueiras eram acesas; e casais – após muitos ensaios – dançavam alegremente não se importando se no mês havia Santo Antônio, São João ou São Pedro para comemorar. As festas iam muito além da repressão que as crianças hoje sofrem por discordâncias religiosas de seus pais. Dançar quadrilha era só alegria, e muitos relacionamentos começaram nessas festas, nem sempre amorosos.
Houve uma época em que as obras paralisadas de construção da Prefeitura Municipal de Guaçuí, no centro da cidade, também serviram de palco para inúmeras festas juninas.  Era comum, nos sábados, a construção estar aberta para a realização dos folguedos, sendo uma opção para a comunidade. As escolas eram as principais organizadoras.
E como não lembrar das tradicionais quadrilhas da Rua do Norte, comandada muitas vezes pelo “Tonho Aranha”, e da Rua da Palha pelo “Dinho Soares”? Inúmeras gerações dançaram sob o comando desses mestres da cultura popular, mas que hoje passam despercebidos pelas novas gerações.
As comunidades rurais também perderam muito. Talvez por se apoiarem somente no Poder Público para realizar suas festas. São Tiago, Santo Antônio, São Felipe, São Romão, São Pedro, Fazenda Aparecida, entre muitas, sempre reservavam uma data no mês para fazerem suas quadrilhas. Eram momentos em que a comunidade se integrava e os percalços do dia a dia eram esquecidos.
Entre as inúmeras quadrilhas, era destaque a Quadrilha Ouro e Prata, liderada por Nenêm Moreira, sendo sucedido depois pela viúva Guiomar Soares. Ali, no terreiro da fazenda, próximo do Assentamento, além da dança constantemente ensaiada, havia ainda calouros, dublagens, outras coreografias, shows e homenagens. Quem ia para lá fazer cobertura jornalística, colocar som, fotografar ou filmar se deparava com uma “janta” no melhor estilo, no fogão a lenha, de onde saíam as inesquecíveis carnes da “lata”, principalmente de porco. Era um banquete!

Bom... junho já passou. Melhor agora se concentrar nas comemorações de 200 Anos de História de Guaçuí, que começam a ser comemorados em 15 de julho.
 

terça-feira, 30 de junho de 2015

Reflexão


Quantos amigos você tem?
Não vale aqueles virtuais
Adicionados nas redes sociais
E você só os encontra numa curtida ou outra.
Quantos amigos você tem?
Não vale aqueles que querem uma carona
Ou que você seja avalista
De uma conta no banco ou na loja de celular.
Quantos amigos você tem?
Não vale aquele que te pede um vale,
Um atestado de trabalho,
Declaração que ele tem experiência
E sem nenhuma carência, some.
Quantos amigos você tem?
Não vale aquele quer uma roupa emprestada,
Que quer que você coloque crédito no telefone
Para que ele num futuro, improvável,
Vá te pagar.
Quantos amigos você tem?
Que liga, se preocupa,
Quer saber notícias,
Te faz uma visita.
Mesmo que por alguns segundos.
Sei que as contas não esperam,
Que os alunos estão em sala,
Que o chefe quer produtividade,
Que a gasolina está cara,
Que o tempo avança rapidamente.
Mas da janela do quarto onde estou
Vejo um céu azul,
Flores no jardim,
Passarinhos que cantam.
Mas o celular só toca para saber de trabalho
E a vida segue.
Afinal... quantos amigos reais você tem?


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Quando somos escolhidos pelo teatro

Recentemente, numa entrevista, perguntaram-me por que estou em Guaçuí, e ainda por cima fazendo teatro. A pergunta me balançou e por um instante fiquei em silêncio. Não sabia se respondia que era por falta de oportunidade ou porque os compromissos assumidos profissionalmente e na família me prendiam naquela pequena cidade capixaba, nas montanhas do Caparaó.
Sim, Guaçuí tem seus encantos e prende alguns, ou muitos. Mas no meu caso buscava na pergunta da repórter uma razão maior – talvez para dar mais credibilidade a minha resposta, e um certo glamour.  Por alguns segundos visitei as ruas da cidade, modificadas pelo asfalto que já cobre algumas de suas vias e uma ciclovia que toma alguns quilômetros. A cidade de minha infância, adolescência e parte da juventude já não existe mais, nem a euforia interiorana. O povo agora convive com problemas de cidade grande, mesmo num microcosmo, como - por exemplo falta - de estacionamento e violência.
Em plena Praça Costa Pereira, meu pensamento divaga sobre “a pérola do Caparaó”. Que estranho é imaginar que o barulho dos carros da capital já se confunde com o barulho dos veículos que percorrem a minha cidade, e que uma multidão de rostos desconhecidos que via era uma proporção maior de rostos também estranhos que também convivo no meu dia a dia quando vou pagar as contas no sábado pela manhã, visto que durante a semana o trabalho na escola e as atividades do teatro de tarde e à noite me excluem da convivência com muitos. Muitos talvez me conheçam, mas não sei quem são e nem para onde vão.
É estranho pensar que a cidade cresceu, ganhou nova dimensão, mudou suas características e perdeu seu ar bucólico. Dos tempos do palco dos Vicentinos para os do Fernando Torres, mudou o perfil do público e nem percebo se ampliou. Não tem os tradicionais bailes do GTC onde a elite da sociedade frequentava nem tão pouco os bons encontros de finais de tarde. Já não se cultua a história do município e nossos costumes e tradições vão se perdendo. Culturalmente a cidade se empobreceu pela apatia daqueles que poderiam exigir um produto melhor e estar mais presentes.
A repórter fica aguardando a resposta. Os segundos parecem horas. Baixa nesse instante o professor de literatura sobre a tese do tempo psicológico. Olho para a sorridente moça, debaixo do sol de meio dia, ainda com minha face maquiada de pancake branco, devido à farsa que fazia. Também eu era uma farsa? Pensei nesse instante. Por que ainda estava em Guaçuí quando muitos dos meus amigos já haviam partido, em busca de outros teatros, cinemas e até televisão. Nunca uma pergunta havia mexido tanto comigo.

Depois de 31 anos fazendo teatro, percebo que poderia ter crescido mais em outra cidade, ter tido um reconhecimento maior, ter vivido outras experiências e me especializado. No entanto fui ficando... ficando... ficando... então respondo: o que poderia fazer em outra cidade posso fazer em Guaçuí, é uma espécie de missão, de contribuir com aquela população que deixou de ser um município, para ser um território. Se partisse quem daria continuidade ao teatro e levaria um sorriso para tantas pessoas através da arte que ajudei a concretizar? Se partisse como ficaria as pessoas com as quais trabalhei e trabalho e que viram nos meus ideais uma forma de também crescerem? Nessa história de trabalhar com o teatro, aprendi que não somos nós que escolhemos o personagem, mas o personagem é que nos escolhe... então fui escolhido... para ficar.
 

sábado, 14 de março de 2015

Que viva a poesia!

Todo texto dotado de sentimentalismo, emoção e presença marcante do eu-lírico contém poesia, pois poesia é o estado, a atmosfera de beleza que tanto pode existir na prosa como nos versos, mesmo que muitos confundam o gênero textual “poema” como sendo “poesia”. Ela é uma manifestação de beleza e estética retratada pelo poeta em forma de palavras. No sentido figurado, poesia é tudo aquilo que comove, que sensibiliza e desperta sentimentos. É qualquer forma de arte que inspira e encanta, que é sublime e bela.
Já diziam os poetas modernistas, um deles Oswald de Andrade, “A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos”. Assim sendo, qualquer material pode ser objeto de poesia, não necessariamente aquele ligado aos percalços do amor, podendo ser a morte de um leiteiro ou a labuta de um pai no dia a dia da roça, ou então até mesmo aquela “famigerada” pedra no caminho, como imortalizou Carlos Drummond de Andrade.
A partir das últimas décadas do século XX o verso entrou em crise, não porque tenha caído no descrédito, e sim porque com a velocidade dos meios de comunicação e a facilidade de divulgar os poemas em sites ou redes sociais; e qualquer pessoa pode ser escritor ou poeta, entretanto não basta apenas ter criatividade, tem que estar atento à riqueza da linguagem e aos aspectos gramaticais, muitas vezes combinando inspiração e transpiração. Por isso, alguns dizem que o poeta é o mestre em lapidar as palavras.
A diminuição da leitura dos poemas veio também em função das letras de música que se tornaram a grande referência entre os jovens. Por causa do linguajar mais apurado da poesia em oposição à apelação dos versos musicais, houve um esvaziamento no interesse pelas obras de grandes poetas e o pouco investimento no surgimento de novos talentos, embora muitos publiquem em edições privadas suas obras no mercado editorial. O mundo musical formou novos “pseudo-poetas”, com rimas fáceis, letras banais, numa verdadeira “sofrência” para os nossos ouvidos.
Guaçuí é berço e celeiro de grandes poetas, e alguns deixaram suas marcas na história do município, como é o caso de Antônio Carneiro Ribeiro, autor da letra do hino de Guaçuí. Ele soube, como poucos, cantar a beleza de nossa paisagem; a simpatia de nossa gente; e a importância de nossos antepassados. Depois veio uma nova geração com nomes como Ivanete da Silva Glória Dalmácio, Gilvôn Mapelli, Roosevelt da Silveira, Miguel Teodoro, Irene Stela Antunes, Eliane Correia, Heliana Mara Soares, Cláudia Pinto, Danille Leite Freitas, Weber Muller, Geraldo Hamilton, entre outros.

E sobre Ivanete Glória, ela é sem sombra de dúvidas um ícone da educação e da cultura de nossa cidade. Teve na juventude os arroubos do teatro, assim como sua prima a atriz Darlene Glória; mergulhou na educação ao lecionar Português para inúmeras gerações e hoje dedica-se à arte de escrever, tendo um dos seus textos completando a homenagem ao Dia Internacional da Mulher em exposição de fotos no Teatro Fernando Torres, ao lado de uma instalação do artista plástico João Batista de Moraes. Vale a pena conferir! E feliz Dia da Poesia! Parabéns, poetas de Guaçuí!

sexta-feira, 13 de março de 2015

A MULHER E A POESIA

Em março duas datas comemorativas têm entre si uma íntima relação: o Dia Internacional da Mulher e o Dia da Poesia, respectivamente 08 e 14 de março.
Desde os primeiros tempos a mulher tornou-se musa das mais belas poesias ou cantigas de amor.
Alguns poetas prendiam-se na beleza física da mulher para descrevê-la; outros buscavam a subjetividade para expressar seus sentimentos pela mulher amada.
Descreviam-na como anjos, deusas, santas, pastoras, estrelas e até mesmo demônios que eram capazes de despertar terríveis desejos.
No Romantismo a mulher tornou-se senhora dos sonhos de cada poeta, foi comparada com a natureza e seu lugar era um altar muitas vezes intocável. Era suprema, sublima, e inspiradora de sentimentos que chegavam a ser platônicos.
Já no Realismo ela perde sua sublimidade e é mostrada no seu dia a dia, fora das altas classes, lutando pela sobrevivência e às vezes usando armas e meios muito convencionais e aprovados para o seu tempo. Deixava de ser anjo, para ser batalhadora na vida; deixava de ser intocável para ser uma mulher comum com defeitos – tocável.
Em cada poeta, pode-se dizer, habita uma mulher que o inspira, emociona e consegue fazer com que ele capte no vácuo e na turbulenta vida, uma sensibilidade que em seus versos a mulher amada é transmitida.
A mulher e a poesia, nesses longos e árduos tempos, foram acompanhando a evolução do mundo; foram sendo mostradas em uma batalha em campo aberto pelo reconhecimento e o respeito que lhe são devidos. Quantas poesias e quantas mulheres foram reconhecidas pelo seu valor após muitos anos ou então depois de seus desaparecimentos?
A mulher já não é a santa das antigas poesias; perdeu um pouco de seus mistérios, de sua magia, porém ainda é musa dos poetas e é focalizada na sua vida diária.
Ela deixou de ser anjo para ser companheira, a amiga das horas incertas e certas, do casamento, do trabalho, do colégio, do bate papo na lanchonete.
A mulher deixou o plano das estrelas, preferindo pisar o chão com firmeza e certeza do progresso; começou a ocupar cargos importantes, a disputar vagas, entrou nos esportes exclusivos para os homens e foi fazendo o seu caminho.
 A poesia deixou a subjetividade e quis também seguir novos rumos; procurou denunciar a fome, a miséria, a injustiça; quis ser mais que palavras bonitas e foi buscar o cotidiano, e nisso alcançou a música na voz de Caetano, Chico Buarque, Toquinho, Milton Nascimento, Vinicius e tantos outros.

Atualmente a mulher já goza de liberdade e, paralela a ela, a poesia em seus versos livres, soltos, embora continuando a transmitir a beleza e o encanto da mulher, pois enquanto existir a mulher, existirá o poeta – a poesia...