sexta-feira, 10 de abril de 2015

Quando somos escolhidos pelo teatro

Recentemente, numa entrevista, perguntaram-me por que estou em Guaçuí, e ainda por cima fazendo teatro. A pergunta me balançou e por um instante fiquei em silêncio. Não sabia se respondia que era por falta de oportunidade ou porque os compromissos assumidos profissionalmente e na família me prendiam naquela pequena cidade capixaba, nas montanhas do Caparaó.
Sim, Guaçuí tem seus encantos e prende alguns, ou muitos. Mas no meu caso buscava na pergunta da repórter uma razão maior – talvez para dar mais credibilidade a minha resposta, e um certo glamour.  Por alguns segundos visitei as ruas da cidade, modificadas pelo asfalto que já cobre algumas de suas vias e uma ciclovia que toma alguns quilômetros. A cidade de minha infância, adolescência e parte da juventude já não existe mais, nem a euforia interiorana. O povo agora convive com problemas de cidade grande, mesmo num microcosmo, como - por exemplo falta - de estacionamento e violência.
Em plena Praça Costa Pereira, meu pensamento divaga sobre “a pérola do Caparaó”. Que estranho é imaginar que o barulho dos carros da capital já se confunde com o barulho dos veículos que percorrem a minha cidade, e que uma multidão de rostos desconhecidos que via era uma proporção maior de rostos também estranhos que também convivo no meu dia a dia quando vou pagar as contas no sábado pela manhã, visto que durante a semana o trabalho na escola e as atividades do teatro de tarde e à noite me excluem da convivência com muitos. Muitos talvez me conheçam, mas não sei quem são e nem para onde vão.
É estranho pensar que a cidade cresceu, ganhou nova dimensão, mudou suas características e perdeu seu ar bucólico. Dos tempos do palco dos Vicentinos para os do Fernando Torres, mudou o perfil do público e nem percebo se ampliou. Não tem os tradicionais bailes do GTC onde a elite da sociedade frequentava nem tão pouco os bons encontros de finais de tarde. Já não se cultua a história do município e nossos costumes e tradições vão se perdendo. Culturalmente a cidade se empobreceu pela apatia daqueles que poderiam exigir um produto melhor e estar mais presentes.
A repórter fica aguardando a resposta. Os segundos parecem horas. Baixa nesse instante o professor de literatura sobre a tese do tempo psicológico. Olho para a sorridente moça, debaixo do sol de meio dia, ainda com minha face maquiada de pancake branco, devido à farsa que fazia. Também eu era uma farsa? Pensei nesse instante. Por que ainda estava em Guaçuí quando muitos dos meus amigos já haviam partido, em busca de outros teatros, cinemas e até televisão. Nunca uma pergunta havia mexido tanto comigo.

Depois de 31 anos fazendo teatro, percebo que poderia ter crescido mais em outra cidade, ter tido um reconhecimento maior, ter vivido outras experiências e me especializado. No entanto fui ficando... ficando... ficando... então respondo: o que poderia fazer em outra cidade posso fazer em Guaçuí, é uma espécie de missão, de contribuir com aquela população que deixou de ser um município, para ser um território. Se partisse quem daria continuidade ao teatro e levaria um sorriso para tantas pessoas através da arte que ajudei a concretizar? Se partisse como ficaria as pessoas com as quais trabalhei e trabalho e que viram nos meus ideais uma forma de também crescerem? Nessa história de trabalhar com o teatro, aprendi que não somos nós que escolhemos o personagem, mas o personagem é que nos escolhe... então fui escolhido... para ficar.