Ao assistir ao espetáculo “De
La Mancha: o cavaleiro trapalhão”, da Rococó Produções, de Porto Alegre- RS, no
20º Festival Nacional de Teatro de Guaçuí, em agosto passado, fiquei a refletir
qual é o nosso papel enquanto artista de teatro no atual panorama. Vi os dois
grandes atores em cena e percebi – o que já não era tão distante – que voltamos
a ser “quixotes” a lutar contra os moinhos de vento, representados pelos
infortúnios que atravessa a cultura de modo geral.
Guilherme Ferrera e Henrique
Gonçalves formaram em cena uma dupla impagável trazendo ao palco o fidalgo
decaído Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança, entre outros personagens.
Com maestria, num jogo de interpretação que envolveu música, teatro e dança, os
atores trouxeram o universo da Espanha, no seu cenário de luzes e sombra,
resgatando um pouco do final das novelas de cavalaria, na transição do
Humanismo para Renascimento. Mas parece que, para a cultura de hoje, os tempos
medievais pretendem reviver, com seus dragões da intolerância e da apatia os
tempos sombrios, por isso talvez um figurino inicial com ares de atualidade,
como fossem dois astronautas a desbravar um novo, mas velho mundo.
O Renascimento trouxe luz à
Europa e isso se espalhou pelo mundo. O escritor espanhol Miguel de Cervantes
criou um personagem que simboliza o universal, e o substantivo próprio
“Quixote” virou um adjetivo para todos que são idealistas e precisam romper
tantas barreiras em busca de alcançar seus sonhos, e mais do que nunca o teatro
vem a enfrentar os moinhos da falta de público, da queda nos patrocínios, da
tecnologia que rouba a atenção das pessoas, do abandono da cultura pelos
políticos, das inúmeras justificativas dos amigos e familiares por não ter ido a uma determinada sessão da
peça ou do show.
Por mais que seja encenado
no mundo, a obra de Cervantes continua atual e provocante. E “De La Mancha...”,
da Rococó, coloca o dedo na ferida sem perder o lúdico, a magia, a profundidade
e mostrando que a criança tem uma compreensão que vai além das histórias
comerciais com atores escondidos em bonecos com vozes gravadas no playback. Elas,
as crianças, precisam sim de espetáculos inteligentes para que se modifique o
comportamento de uma geração que aí está,
tão distante do real e tão apegada às relações superficiais e virtuais.
São 36 anos de teatro com o
Gota, Pó e Poeira. Construímos uma história degrau por degrau, avançamos,
abrimos espaços, fizemos uma trajetória incomum para os grupos do interior. É
possível chegar a novos rumos, porém têm horas que o cansaço abate, o desânimo
surge, e os velhos fantasmas emergem para roubar as forças e querer destruir os
sonhos. E é nesta hora que a armadura e a lança têm que ser empunhadas para que
o visionário louco renasça no nosso interior, e não sejamos engolidos pelos
moinhos de vento. Resistir é o que nos resta!
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Fotos de Eder Gaioski
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