Recentemente, numa entrevista, perguntaram-me por que estou
em Guaçuí, e ainda por cima fazendo teatro. A pergunta me balançou e por um
instante fiquei em silêncio. Não sabia se respondia que era por falta de oportunidade
ou porque os compromissos assumidos profissionalmente e na família me prendiam
naquela pequena cidade capixaba, nas montanhas do Caparaó.
Sim, Guaçuí tem seus encantos e prende alguns, ou muitos. Mas
no meu caso buscava na pergunta da repórter uma razão maior – talvez para dar
mais credibilidade a minha resposta, e um certo glamour. Por alguns segundos visitei as ruas da
cidade, modificadas pelo asfalto que já cobre algumas de suas vias e uma
ciclovia que toma alguns quilômetros. A cidade de minha infância, adolescência
e parte da juventude já não existe mais, nem a euforia interiorana. O povo
agora convive com problemas de cidade grande, mesmo num microcosmo, como - por
exemplo falta - de estacionamento e violência.
Em plena Praça Costa Pereira, meu pensamento divaga sobre “a
pérola do Caparaó”. Que estranho é imaginar que o barulho dos carros da capital
já se confunde com o barulho dos veículos que percorrem a minha cidade, e que
uma multidão de rostos desconhecidos que via era uma proporção maior de rostos
também estranhos que também convivo no meu dia a dia quando vou pagar as contas
no sábado pela manhã, visto que durante a semana o trabalho na escola e as
atividades do teatro de tarde e à noite me excluem da convivência com muitos.
Muitos talvez me conheçam, mas não sei quem são e nem para onde vão.
É estranho pensar que a cidade cresceu, ganhou nova dimensão,
mudou suas características e perdeu seu ar bucólico. Dos tempos do palco dos
Vicentinos para os do Fernando Torres, mudou o perfil do público e nem percebo
se ampliou. Não tem os tradicionais bailes do GTC onde a elite da sociedade
frequentava nem tão pouco os bons encontros de finais de tarde. Já não se
cultua a história do município e nossos costumes e tradições vão se perdendo.
Culturalmente a cidade se empobreceu pela apatia daqueles que poderiam exigir
um produto melhor e estar mais presentes.
A repórter fica aguardando a resposta. Os segundos parecem
horas. Baixa nesse instante o professor de literatura sobre a tese do tempo
psicológico. Olho para a sorridente moça, debaixo do sol de meio dia, ainda com
minha face maquiada de pancake branco, devido à farsa que fazia. Também eu era
uma farsa? Pensei nesse instante. Por que ainda estava em Guaçuí quando muitos
dos meus amigos já haviam partido, em busca de outros teatros, cinemas e até
televisão. Nunca uma pergunta havia mexido tanto comigo.
Depois de 31 anos fazendo teatro, percebo que poderia ter
crescido mais em outra cidade, ter tido um reconhecimento maior, ter vivido
outras experiências e me especializado. No entanto fui ficando... ficando...
ficando... então respondo: o que poderia fazer em outra cidade posso fazer em
Guaçuí, é uma espécie de missão, de contribuir com aquela população que deixou
de ser um município, para ser um território. Se partisse quem daria
continuidade ao teatro e levaria um sorriso para tantas pessoas através da arte
que ajudei a concretizar? Se partisse como ficaria as pessoas com as quais
trabalhei e trabalho e que viram nos meus ideais uma forma de também crescerem?
Nessa história de trabalhar com o teatro, aprendi que não somos nós que
escolhemos o personagem, mas o personagem é que nos escolhe... então fui
escolhido... para ficar.
Uau. Lindo.
ResponderExcluirVocê pensou tudo isso nos segundos que sucederam a pergunta do repórter??? Caramba! Rsrsrs...
Acho que não há escolha errada para este tipo de situação. Sua escolha foi certeira. Em Guaçuí você também se especializou... Mas em outros aspectos, em outras nuances. Também vivenciou experiências... mas num "microcosmo" (como vc mesmo disse, rs) que é tão importante quanto o "macrocosmo".
Parabéns pelas escolhas, amigo!
Um abraço!
Grande abraço, meu querido. E nós fomos escolhidos!
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